Poeta: Rodrigo Machado Silveira
Passaram-se os tempos, vieram os remorsos,
Lembranças que a vida nunca pode apagar,
Quem sabe é culpa, ou puro desejo, de mudar o passado,
Mudar algo que marcou vidas, redesenhou destinos.
Tenho lembranças de infância há muito não desejada,
Foi marcada por momentos tristes.
Meu pai levava tudo a ponta de faca, aguentando a mão.
Como antigos coronéis, dos quais descendera…
Lembro-me da estância…
Casa grande, campos de lei, povoados de gadaria e cavalos.
Grandes mangueiras sempre batelada de serviços,
Muitos Peões e agregados na lida do dia a dia.
Meu pai sentado debaixo da figueira centenária,
Bem pilchado, chapéu tapeado e lenço colorado;
O palheiro, seu companheiro, chimarrão, cambona ao lado,
Acompanhado de perto, atento a tudo e todos à sua volta.
Ninguém podia olhar ou falar sem que ele autorizasse.
Ninguém podia responder sem que ele permitisse, cara de poucos amigos,
Meu pai era um homem rude de poucas palavras,
Semblante fechado, olhar sério e sombrio.
Lembro-me do seu João, homem velho, de confiança, destes que aguenta o repuxo,
Mesmo assim, era maltratado e alvejado por palavras rudes,
Dona Chica, minha mãe preta, como eu chamava de mão cheia,
Era sempre quem ouvia seus desmandos na casa grande.
Ah! E minha doce e amada mãe, tão simples, tão linda!
Ao mesmo tempo tão triste e sozinha!
Poderia uma flor enfrentar tal espinho?
Melhor viver no silêncio que em gritos desatinos.
Eu, menino, nunca pude entender por quê.
Nunca compreendi tanto rancor em meu pai,
Nunca lhe disse nada, sequer olhei em seus olhos,
Embora fosse o que mais desejava, nunca se quer fiz uma desfeita.
Muito novo fui embora fazer meu próprio destino pelos campos da querência.
Deixando aquela vida pra trás com a certeza e o desejo,
De Esquecer as pisadas e suas marcas.
E prometi que jamais voltaria, ou mesmo lembraria.
E os invernos passaram… A vida sempre guarda surpresas.
Nada melhor que o tempo para curar feridas, acalmar corações.
Nada mais fascinante que um dia ter filho e ser pai!
E deste filho veio a pergunta mais difícil: Como era meu avô?
O silêncio tomou conta do velho rancho adormecido com minhas lembranças.
Então o momento que tinha prometido enterrar para sempre,
Fatos que queria esquecer, assim como retratos que nunca tive,
Lembranças fechadas a sete chaves, em um baú de desgosto,
Cercado de dor e tristeza, floresceu naquele instante.
Respondi de forma rude a agressiva, que não queria aquele assunto!
Até que em fim o silêncio tomou conta de mim, mais uma vez…
Mesmo por um instante, eu estava sendo meu pai.
Por um momento, eu fui o que mais julguei errado na minha vida.
Olhei para meu filho…
Pedi perdão, e lhe dei um forte e longo abraço.
Chorei de saudades, chorei de remorsos,
Chorei por nunca mais ter visto e procurado meu pai.
Peguei meu filho e com os olhos marejados,
Senti que errei, tanto como meu pai errou,
Se ele foi assim, a vida ensinou ser assim.
Apenas o julguei, nunca tentei compreendê-lo.
Precisei da pureza de uma criança para que visse a realidade,
Reconhecesse que a vida é assim,
Pessoas são diferentes, são humanas, Erram e acertam.
Que pena! Hoje é tarde! Agora nada mais posso fazer,
Queria tanto voltar no tempo, tempo esse que desperdicei,
Longe do homem que, no fundo, sempre amei e respeitei.
Entendi que só aprendemos a ser filho quando nos transformamos em pai…
Olhei meu filho com muito amor, com muito mais afeto,
E respondi sua pergunta tão pura e inocente:
“Seu avô era um esteio, forjado a ferro e fogo. Mas, acima de tudo, um homem,
um pai, meu pai.”