Poeta: Nivaldo Rosa
O garnizé, lá num canto do galpão,
Soltou seu canto prenunciando alvorada,
Que logo irá se desnudar, ali no horizonte.
Já deve ser cinco e pico da madrugada,
O braseiro acinzentado, no fogo de chão,
Parece sussurrar que um sopro o esponte.
Para que a chama, ardente e renovada,
Aquente a água p’reu sorver meu chimarrão.
O caramelo, moroso vai se achegando,
E ao derredor do fogo se enrodilha.
O estalar das brasas num ritmo compassado,
Tal qual milonga de origem quintanilha
Ou os acordes de bandona em um tango,
Compõe roteiro de uma cena do passado,
Com as fagulhas que ao vento fazem trilha,
E como o pensamento, também vão se libertando.
Mate após mate e a alma já se aquece,
Enquanto a encilha vai ficando bem a prumo.
Ao despacito, o baio vai quebrando a geada,
Ao longe o sol, vai me alumiando o rumo.
Agradecido, eu me coloco em prece,
Para que Deus abençoe minha jornada.
Para o pito, eu vou preparando o fumo,
E a lo largo, minhas quimeras se espairecem.
Depois de todo alambrado repassar,
Pra garantia de não ter nenhum escape,
Sempre primando por um serviço bem feito,
Nunca deixando que o cercado se farrape.
Num sempre atento e minucioso olhar,
Torno ao galpão, num galope a preceito,
Seguindo, sem descanso nesse atrape,
Para na doma em seguida me atracar.
O redomão, que já me fita de soslaio,
Como se fosse em desafio me envidando,
Parece prenunciar o enfrentamento certeiro.
Na mangueira o bagual vai se esquivando
E eu vou buscando a monta, sem atrapaio,
Alçando a perna, me afirmo no caborteiro,
Que de pronto, já se larga corcoveando
E no braço, vou tentiando parar o baio.
Depois de uns tombos, o punho já se ajeita
E as pernas se aprumando pra aguentar o repuxo
Só montando um aporreado, pra saber do que falo
Pois assim é a vida, de um domador sem luxo,
Trabalhando com afinco, sem jamais fazer desfeita.
Verdadeiro homem do campo, sobre o lombo de um cavalo,
O centauro dos pampas ou simplesmente gaúcho,
Só quem tem o pulso firme pra essa lida se sujeita.
No domingo tem Rodeio, tiro de laço e gineteada,
Na estância do Euzébio, lá no passo da Tapera.
A peonada vai se achegando, ali nas voltas da cancha,
Num misto de algazarra e harmonia, faceira se entrevera.
A polvadeira vai subindo, no bate casco da cavalhada,
E eu garboso, me exibindo pro olhar de uma pinguancha,
Que me acena um sorriso e em meus olhos reverbera,
Tal cena de romance musiqueiro em tons de toada.
No palanque, já tem ginete preparado,
E o amadrinhador, astuto e sempre atento,
Num esforço hercúleo pra o vivente defender.
Potro após potro, sem descanso nesse intento,
E mais um animal, já está ali palanqueado,
Assim segue essa lida, sem ninguém esmorecer,
Até mesmo um estrondo por vezes eu escuto,
Do peão que vai ao chão em um tombo inesperado.
Lá na entrada do brete, um já grita com espanto:
– É tua vez Juvêncio Motta, lá da Estância do Cinando.
– Tá na soga o teu potro, te apronta pra montaria.
O bagual tá afocinhado, e de brabo vai bufando,
Que Deus e nossa senhora, me proteja com seu manto,
E que a sorte sempre seja minha fiel parceria,
Pois é tênue essa linha, de um taura gineteando
E a morte que se apresenta, é assim que me garanto.
Eu já vou me acomodando com cisma no semblante,
Tranço meus dedos na crina e tapeio meu chapéu,
Preparo bem o mango, que o bagual não vai dar trégua,
Pai, filho, espírito santo e meu olhar se lança ao céu.
Um já grita: – se largou…e solta a soga do palanque,
Firmo o joelho rebenqueando, pulso firme e não me entrego,
Que aqui tem café no bule, pois não sou um índio incréu,
Daqui não me descolo, que pra isso tenho desplante.
São quatro cascos dançando, meio a poeira que eu levanto,
O povo todo se agita, num tamanho alvoroço,
São gritos de “sapucay”, com mil palas acenado.
É potro que não se entrega e eu firme nesse retosso,
Treme o chão num manotaço, e eu ali já me agiganto,
Do lombo não desgrudo, e o amadrinhador vai se chegando.
Ergo o braço e num lançante, solto a crina sem esforço,
“Oigalê” que doma buena, e pra isso eu não sou santo
Do outro lado da cerca, num vestido bem floreado,
Espera-me aquela dona, que a pouco me há sorrido
Uma trança no cabelo, com fita e com adornos,
Olhou-me ainda com espanto, do que havia transcorrido.
Com seu jeito de menina e semblante encabulado,
Em meio aquele alvoroço, que acontecia no entorno,
Me alcançou uma flor da trança, e eu ainda esbaforido,
Comovido com seu gesto, já me fiz enamorado.
Este humilde peão rude e sem muita pretensão,
Hoje segue firme a lida de campeiro e domador,
Más agora na janela, do ranchinho que ergueu,
Me espera prenda Rita, que tem sobrenome Amor,
Que em seu ventre já carrega o fruto dessa paixão,
Daquela troca de olhares que num rodei se deu.
Que seja um piazito com a glória do senhor
E que encha de orgulho o coração deste peão.