Poeta: Adão Quevedo
Eu sou um guri do campo
arrancado da raiz,
assim como outros tantos
que a cidade não diz.
Perdi meu sonho de piá
de ser livre vida afora,
minha alma ficou lá,
só meu corpo veio embora.
Disse adeus ao meu bodoque,
ao cusco farejador
que rengueava andando a trote,
mas “loco” de peleador.
Deixei até meu caniço
de bambu, linha e anzol,
para depois do serviço
pescar ao cair do sol.
Sei que a lambarizada
vai sentir falta de mim,
da farra das caniçadas
quando a tarde chega ao fim.
Era lindo olhar o campo
verdinho, o gado pastando.
Das coisas que eu amo tanto
a vida foi me afastando.
Pelas ruas enfeitadas
com luzeiros em neon,
a noite enluarada
não tem mais o mesmo tom.
Não gorjeiam com ternura
estes pássaros urbanos,
soa um canto de amargura
sem o verde soberano.
Eu nunca entendi direito
as voltas que o mundo dá,
mas aqui dentro do peito
há um coração de piá.
Quando espio além do muro,
o vento me reconhece;
chora a sanga, num murmúrio,
com saudade do moleque.
Hoje, quase aquerenciado
entre os muros do quintal,
domo a saudade montado
num cavalinho-de-pau.
Um dia cruzo a ponte
destas origens rurais,
vou beber água da fonte,
tornar meus sonhos… reais