Poeta: Paulo Ricardo Costa

“Eu era muito menina…
mas ainda lembro daquele triste cantar!”

Caia a tarde mormacenta
com jeito de forno quente,
a nos queimar “os miolos”.

Meu vestido branco, franzido,
o pano atando os cabelos negros,
o chinelinho de dedo à sair do pé.
Assim descíamos rumo à sanga…
onde as roupas brancas do quaro,
já sinalizavam ao meu olhar criança.

De longe já se ouvia o bater das roupas,
a algazarra da criançada a brincar afoitas,
o chiado da água a cantarolar nas pedras,
e o barulho das cachoeiras, na imponência
das corredeiras, como lavar a alma e
deslizar a dor silenciada das lavadeiras!

Às vezes eram quatro…
Outras vezes eram cinco ou seis:
– eu sei disso por que aprendi a contar na mão,
(pois tinha um dedo para cada uma).
Às vezes sobrava dedo, outras vezes faltava,
mas minha Mãe, sempre era meu dedo mais bonito,
e de longe já ia cantado a canção das lavadeiras:

– Mandei caiá meu sobrado… mandei, mandei, mandei
– Mandei caiá meu sobrado… caiá de amarelo

Lembro pelos fiapos da memória,
a tristeza estampada nesse canto,
que tinha uma mescla de dor e pranto,
e me fazia, à muita coisa, perguntar.
– O que seria da vida sem as lavadeiras?
Suas roupas brancas como as nuvens do céu,
que se espelhavam nas águas entre espumas de sabão,
serpenteando entre a prata dos lambaris.

O sol que descia por entre os galhos,
um tanto seco dos sarandis…
estampavam a tristeza de olhares nobres,
ilustrado em sangas que desciam dos olhos,
e vergavam as frontes enrugadas e
molhadas pelo suor de rosto tão lindos.

O cheiro das flores amarelas que colhia,
para embeleza o cabelo de Mamãe,
por vezes caia e deslizava pelas águas da sanga,
como um barco e levar os meus sonhos, meus medos,
desviando das pedras, que estavam no caminho.

Mas cadê meu lenço branco… ô lavadeira
Que eu lhe dei para lavar… ô lavadeira
Madrugada madrugou … ô lavadeira
E o sereno serenou … ô lavadeira

Muito procurei por um lenço branco…
entre as roupas do quaro, mas nunca encontrei.
E também nunca entendi por que elas cantavam assim,
Se não havia lenço branco nem pra elas e nem pra mim!

Hoje, com o tempo, pude entender o seu canto,
A dor estampada em cada cantiga…
A tristeza revelada nas pálpebras humedecidas,
cantigas dolentes de incertezas de vidas…
que as tardes mormacentas teimavam em judiar.

Hoje, quando vejo, a água escorrer pelo vão das paredes,
entendo o valor da vida, quando se precisa matar a sede…
sentada à beira da sanga que ainda trago no olhar.

Fui descendo rio abaixo…oi lavadeira
Como desce o lambari… ô lavadeira
Procurando amor de longe… ô lavadeira
Que o de perto eu já perdi… ô lavadeira

Perdi os sonhos daquela menina inocente,
que não sabia que a dor que dói na gente…
às vezes, nos levam por grandes corredeiras,
e a gente se perde, tão frágil e tão só…
quando o lenço branco da vida, nos dá um nó…
morrendo na saudade, no canto da lavadeiras!

Não tenho culpa do que se passou
Deu uma chuva muito forte
E o lenço carregou!

Carregou o lenço… carregou o tempo…
carregou a vida…carregou os sonhos!
Pra onde foi à menina…
que entristecia ao ouvir aquele cantar!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *