Poeta: Vítor Isidro da Silva Bielaski

Há um barreiro arranchado
No velho moirão da porteira
Já fez ninho, revoou
E agora canta as esperas…
Aquela velha porteira
Em frente a saudosa figueira
Guarda um portal de outros tempos.

No trecho dos Galpões
Passo do Capitão Jango,
O tempo as vezes era manso
Outras vezes parellheiro…
E foi o tempo primeiro
Que povoou minha lembrança.

Entre o arame da porteira
E o pé da grande figueira
Tinha um coleginho amarelo,
Humilde, baixinho, pequeno
Mas repleto de encantos
De medos, mesas e Santos
E de um Cristo na parede.

Que, às vezes, também era cede
Para as missas da campanha.
Do lado direito, a venda,
E a cancha das carreiras
Um campinho pra os guris
Jogar bola quando dava…
Do outro lado, a antiga chácara
Que era do seu Cesino.
Depois dele, de outros donos
Mas na lembrança e nos sonhos,
É sempre o velho que eu vejo.

Tinha um banhado na frente,
Um brejo onde a saparia
Cantava ao entardecer
E essa lágrima no rosto,
Veio só pra me dizer,
Que eu não cheguei nem sequer
Do outro lado da figueira.

Aquela figueira solene
Onde meus pais se casaram,
Onde meus avós mateavam,
Onde meus passos meninos
Corriam quanto podiam
Até chegar na clareia,
Para enxergar na porteira
O pai chegando da vila.

E a casa! Ah! O velho casarão!!
Já não sei mais se é tão grande
Ou as lembranças que são!
Eram portas e janelas
Paredes azuis e amarelas
Assoalho de madeira
E na cozinha campeira,
Meia porta com tramela.

Cada canto guarda um conto
Uma lembrança, um desejo…
Os quartos cheirando a poejo,
As colchas que a avó vazia,
As sestas que o vô dormia,
O barril cheio de água
E a caneca de alumínio.

Uma cozinha de barro
De onde brotavam bolachas
Tacho de doce, ambrosia!
Café coado na hora!
Cucas, figos, morcilha…
E um panelão de canjica.

A sala grande encerada
Onde a visita sentava
Pra o mate de boas vindas.
E as portas altas e nobres
Que a gente tanto corria…
Corria, sorria e caia
E depois corria de novo.

Lá nos fundos, as galinhas,
A patente e o galpão.
Alguns patos e marrecos
E um fosso de cacarecos
Espalhados pelo chão.
Do lado do galinheiro
A casinha dos cachorros
Que preferiam para o pouso
A sombra fresca da carroça.

O arvoredo ainda vive
Ou deu lugar ao campo aberto
Mas na minha memória,
Eu confesso,
Que ele ainda é do mesmo jeito
Com laranjeiras, peras, pêssegos,
Butiás, caquis, limoeiros
E as goiabas pra doce.

Atravessando a lavoura
com os baldes na espalda
A gélida cacimba de água
E o tanque das lavadeiras…

No açude, traíras caborteiras.
E as marias sem vergonhas,
Que nem plantar precisava,
Coloriam e enfeitavam
Toda a sombra da figueira.

Soltei o arame com calma
E atravessei pelo tempo
A estradinha de capim
Me trouxe de volta pra infância
E vi que as minhas lembranças
São as chaves de um portal
Que me pintam um retrato
De uma infância de outras eras
De tudo de bom que vivi
Na minha gigante Chácara Velha!

2 respostas a “Chácara Velha”

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