Poeta: Jurema Chaves

Vivo aqui neste cantinho
Da antiga sala de estar,
Esquecida, desbotada,
Guardando minhas memórias
Sou personagem da história
Que o tempo escreveu. Saudade!

Muitos anos já passaram
Daquelas rodas de mate
De um quartinho cor de rosa
Ah, quanto tempo já faz?

Eu vim de tempos distantes
Num navio cruzando o mar,
Água salgando meu rosto
Com gosto de despedida
Olhares claros de céu,
Olhavam tristes para trás!

Imigrantes que buscavam
A esperança em outras terras,
Muitos fugiam da guerra…
Eu recordo aqueles semblantes!

Fui feita por mãos antigas
Fortalecidas na luta,
Pra ser amiga, parceira
De uma geração inteira
De meninas que chegavam
E vinham brincar comigo!
Filhas, netas e bisnetas
Da matriarca da casa!

Por ser só uma boneca
Não consegui entender,
Quanto o tempo é veloz!
Vi tudo se transformando
Perdi a amiga de quarto
Perdi as rodas de mate
Perdi o abraço cheiroso!

Passei todas as gerações
Desta família italiana,
De bravos homens de fato
De mulheres fortes, guerreiras
Que ficaram nos retratos,
De onde tudo começou
Memorizando paredes
Quando o silêncio chegou!

Fui a boneca de Helena
– Amigas inseparáveis!
Depois veio a Juliana
De tez alva, delicada
Havia tanta meiguice
Nos contos que ela contava!

Teve Marias e Rosas
Terezas e Catarinas!
A todas, eu muito amei
Por muitos e muitos anos!
Nem sei onde me perdi,
Mas hoje me vejo aqui
Rememorando a história
Do meu destino de pano!

O vestidinho floreado,
Desbotado pela poeira…
As rendas claras puídas
O cabelo em desalinho
E uma saudade doída
Machucaram meus olhinhos!

Será que elas esqueceram
Tudo que a gente viveu?
Ou encontraram outra boneca
Mais bonita do que eu?
Ao silêncio perguntando
O que foi que aconteceu?

A poeira tomou conta,
A porta velha rangendo
Sobre os planchaços do vento,
Que força as velhas paredes
Ouço meus próprios soluços,
Pois nunca chega ninguém
Para me contar o que houve
Por que não parti também?

Não ouço mais as risadas
De sóis que invadiam a casa…
E aqueles sonhos com asas
Que nos faziam voar,
Cirandando nas estrelas!
E a canção dos cata-ventos
Que já não posso escutar,
A voz terna de menina
Em cantigas de ninar!

Na velha sala de estar
Permaneci esquecida,
Não mais sou parte da vida
Daquelas que tanto amei!
Ficou somente o retrato
De um semblante familiar.
Minhas memórias rebrotam
Na cicatriz das paredes
Na velha sala de estar!

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